Redes sociais: ferramentas revolucionárias para o ativismo LGBT
Neste artigo, procuro registrar algumas reflexões sobre o uso da internet e das redes sociais como ferramentas para o ativismo pelos direitos de lésbicas, gays e pessoas bissexuais, transexuais e travestis (LGBT) na América Latina, com maior ênfase no Brasil, que é meu “território físico” de atuação política.
“O Brasil é um país de falastrões”, foi o que disse um de meus/minhas professores/as durante o curso de jornalismo, em 2001. Ele se referia à multiplicação de telefones celulares no país, ao fato de que, mesmo as pessoas menos favorecidas economicamente – como catadores/as de lixo reciclável –, possuíam esses aparatos de comunicação individual móvel, e a como pessoas de todas as classes sociais faziam uso indiscriminado dessa ferramenta. Hoje, no Brasil com 190 milhões de habitantes, a quantidade de celulares em uso ultrapassa os 227 milhões.
Na mesma linha, o Brasil é cada vez mais um país de internautas. Segundo levantamento do instituto Ibope Nielsen Online, a quantidade de pessoas conectadas à internet é próximo dos 78 milhões de habitantes, das quais 86% são usuárias ativas de redes sociais. O Orkut, que já teve no Brasil mais da metade de seus/suas usuários/as em todo o mundo (subindo de 23 milhões em 2008 para 29 milhões em setembro de 2011), acaba de ser ultrapassado pelo Facebook (com 30,9 milhões em setembro de 2011). Ainda de acordo com essa pesquisa, cada usuário/a brasileiro/a dedica mais de cinco horas às redes sociais por dia, e o Centro de Estudos sobre Tecnologias de Informação e Comunicação (CETIC.br) informa que 24% dos domicílios brasileiros contam com acesso a internet, e 5% dos/as brasileiros/as que possuem celular acessam a rede por este meio. Mas o que estão fazendo ali?
Comunicando(-se)
Mais da metade dos/as usuários/as da internet acessam a rede diariamente, 94% para fins de comunicação, sendo as redes sociais a terceira motivação para este uso, logo depois do uso do e-mail e do chat.
O CETIC.br define as redes sociais como “um locus, no qual a interação social visa à construção coletiva, à mútua colaboração, à transformação e ao compartilhamento de ideias em torno de interesses mútuos dos atores sociais que as compõem”. A internet potencializa o poder dessas redes, devido à velocidade e à capilaridade com as quais a divulgação e a absorção de ideias circulam entre os atores sociais que participam da rede. A integração de internautas brasileiros/as às redes sociais pode ser analisada por três diferentes ângulos: i) participação em sites de relacionamentos, ii) participação em fóruns e listas de discussão e iii) criação e atualização de blogs.
Ativismo LGBT nas redes sociais
O surgimento e o desenvolvimento da internet acontecem paralelamente aos movimentos de redemocratização na América Latina, aos casos de Aids e ao consequente desenvolvimento do movimento LGBT, que desempenhou um papel central no enfrentamento à pandemia a partir dos anos 1980, adquirindo visibilidade e inserção política na esfera pública nos diversos países da região. Ao mesmo tempo, foi-se apropriando das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) para sua melhor organização política, comunicação com o público interno (LGBTs) e externo, formação de ativistas, entre outras. Além disso, a natureza livre e a possibilidade do anonimato na rede permitem a LGBTs atuarem politicamente na segurança do lar e longe do estigma vivenciado no mundo real.
Concomitantemente, também os crimes com motivação homofóbica passaram a ser mais visíveis. Com o crescente reconhecimento global dos direitos sexuais como direitos humanos, a violência homofóbica deixa de ser aceita como algo “normal” na vida social e ganha os noticiários, passando a integrar o imaginário e a vida cotidiana das pessoas em geral.
Neste contexto, as redes sociais na internet (blogs, listas de discussão e sites de relacionamento) são hoje ferramentas indispensáveis para a organização dos movimentos sociais, mobilização política, advocacy, intercâmbio de informação, educação e capacitação. Além disso, oferece canais diretos para denúncias de violações de direitos humanos aos setores estatais responsáveis pela segurança pública e integridade dos indivíduos.
Internet com força total
Em janeiro de 2011, surgiu a AllOut.org, organização internacional de mobilização online na defesa dos direitos LGBT, criada por jovens ativistas pela diversidade sexual, inspirados/as no modelo Avaaz.org de mobilização. Logo após o assassinato do ativista gay David Kato, AllOut lançou suas duas primeiras campanhas. Uma pedia apoio da comunidade internacional contra uma proposta de lei que instituiria a pena de morte a gays e lésbicas em Uganda. Mais de meio milhão de pessoas do mundo inteiro se mobilizaram em menos de uma semana e a proposta foi retirada da pauta do congresso ugandense. Outra iniciativa de sucesso impediu a deportação da lésbica ugandense Brenda Namigadde da Inglaterra. O propositor da lei de pena de morte a gays e lésbicas, David Bahati, havia declarado que aguardava Brenda para, ao chegar em Uganda, buscar a “correção” de sua homossexualidade ou ir a julgamento pelo crime de homossexualidade. Sem dúvida, estes são dois exemplos de como a internet pode ser usada para gerar respostas massivas e rápidas em situações de crise ou de violações de direitos.
Uma outra revolução promovida pelo uso das redes sociais é o encurtamento de distâncias. Há 15 anos, para se coordenar uma ação de impacto regional, gastava-se muito dinheiro com ligações telefônicas, remessas por correio e com deslocamento de pessoas para a realização de reuniões presenciais. Hoje, com a popularização da banda larga, aliada às listas de discussão e aos programas de comunicação por voz, esse tipo de articulação torna-se possível sem que os diferentes atores necessitem sair de suas cidades.
Em 2009, organizações LGBT da América Latina identificaram a ação de grupos religiosos conservadores promovendo terapias que prometem “curar” a homo/transexualidade, considerando como um problema comum em todos os países da região, utilizando para isso métodos que violam vários direitos humanos. A partir de então, com ferramentas disponíveis na internet, foi desenvolvida a campanha latino-americana Curas que Matam, que chegou a realizar ações em 14 países da América Latina e Caribe e conseguiu o apoio de diversas associações de profissionais de saúde mental, celebridades, autoridades acadêmicas e órgãos ligados a políticas de saúde. Três meses após as atividades que marcaram o Dia Mundial contra a Homofobia (17 de maio), o governo do Equador fechou 30 clínicas que ofereciam a “cura” para a homossexualidade e, em pelo menos três países, as ações de campanha continuam em 2012.
Mas toda moeda tem seus dois lados
Não obstante, investigando as atividades desses grupos conservadores, chegamos à constatação de que a internet é uma ferramenta essencial na multiplicação de atores que dizem poder curar a homossexualidade, bem como na disseminação de dados pseudo-científicos que supostamente comprovam a eficácia dessas técnicas.Também é essencialmente via internet que as grandes capacitações e formações de novos “terapeutas” são divulgadas e organizadas e ocorrem mobilizações, articulações e manifestações de grupos que chamamos anti-direitos – pró-vida, anti-aborto, anti-LGBT, neonazistas, revisionistas etc.
Recentemente, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) denunciou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal – pelos canais disponibilizados na rede – um site que ensina como realizar o “estupro corretivo” em lésbicas, além de incitar a violência contra mulheres e LGBTs e ameaçar de morte o único deputado federal abertamente gay hoje no Brasil.
Comunidades, perfis e blogs que promovem discursos de ódio contra LGBTs e outras iniciativas existem, mas o que não podemos perder de vista é a preservação da defesa dos direitos humanos também nestes espaços online. Acesso à Internet é direito à informação. Direito à informação é direito humano.
Sobre la autora
Jandira Queiroz é formada em Comunicação Social pelo Centro Universitário de Brasília desde 2005 e ativista pelos direitos LGBT desde 2002. Atualmente é assistente de projeto e pesquisadora do Observatório de Sexualidade e Política – SPW. É co-coordenadora da campanha Curas Que Matam promovida pelo Comitê Internacional IDAHO (Dia Internacional contra a Homofobia – 17 de maio) e consultora de AllOut.org.